O mundo moderno é fascinante. Aliás, ainda mais fascinante  do que alguns previram há pouco mais de 10 anos. Poucos livros de ficção  científica escritos até o fim da década de 80 apresentam algum elemento que  supere o atual "estado da arte" do mundo moderno em diversos aspectos. Eu sou  completamente adepto da tecnologia. Em minha mala de viagem, é normal ter mais  brinquedinhos eletrônicos do que roupas. Mas da mesma maneira que percebo que  toda a comodidade abre espaço para se fazer muito mais coisa em muito menos  tempo (tenho dúvida se isso é mesmo uma meta a se buscar...), ela também induz à  acomodação. Ao ócio não-criativo, uma falsa sensação de conforto, convívio  social e "sabedoria". A seguir, algumas dicas de como se tornar um ser humano  menos inteligente, e ainda liberar alguns 'gigabytes' de espaço na sua cabeça  (que já não anda tão ocupada assim, com o advento dos pendrives e do  powerpoint). Trata-se de um curso rápido, e os efeitos são sentidos ainda na  segunda semana!
  1 - "Google everything". Sim, porque "googlar" virou um  verbo, e está até ameaçando entrar em alguns dicionários lá fora (e como  sabemos, tudo que entra no dicionário, ou no mínimo na boca do povo, por lá  entra aqui também. eu deleto, tu deletas, eles deletam. Eu blogo, tu blogas,  eles comentam). Googlar tornou-se uma parte tão importante da vida de muitos que  já virou até assunto de pesquisas aprofundadas sobre a necessidade de  "conhecimento" na mente humana. Se o conhecimento é coletivo, para que manter  informações na sua própria cabeça? Uma simples pesquisa por "what is  esternocleidomastóide" em um site com um logo engraçado que muda diariamente  (gosto especialmente das datas comemorativas e épocas de jogos olímpicos)  transforma qualquer um em um médico especialista (em que mesmo? Tenho que  pesquisar melhor...) em segundos. Não sabe de algo? google knows. E ele mostra  para você em segundos...
  2 - Esqueça os aniversários de seus amigos. Com tanta  ferramenta por aí pra lembrá-lo, pra que decorar alguma coisa? Um adendo a esta  regra: esqueça os antiquados cartões de "feliz aniversário". Deixe um "scrap" no  Orkut de seu amigo (no bom sentido, claro) e espere ele responder (reply to  all), preferencialmente em diversas línguas. Espere também receber diversas  cópias do "obrigado/thank you/danke Sie), mas não leve seu amigo a mal. São os  males de teses de doutorado de cientistas com nome esquisito usadas  repentinamente como sistemas de comunicação de massa. Grab a donut!
  3 - Agenda de Telefones? Compre um palmtop. Ou um  smartphone. Ou um iPod! Qualquer coisa com milhões de kbytes de informação que  permita você anotar até seu próprio número. E se você acha que demora para  procurar informações na "coisinha", faça como eu: anote seu próprio número em  uma etiquetinha e cole atrás do seu "gadget". Assim você não esquece ele...
  4 - Telefone é coisa do passado. Skype é coisa do futuro,  quando as pessoas não se sentirão mais ridículas falando com um computador (eu  até hoje fico constrangido falando até com secretária eletrônica...). Com tantos  sistemas de Instant Messaging (leia-se MSN) por aí, por que diabos você precisa  gastar sua voz? Só não se surpreenda se pouco a pouco você perder a capacidade  de manter um diálogo com uma só pessoa, ou se sentir falta do botão de enviar  emoticons animados quando estiver em uma mesa de bar. Caso ache que não é  suficiente, ixxkreva axxxim, ou pelo menos , a menos deixe de usar acentos em  prol de 'ehs', 'tahs' e 'sohs'. E torça para que você não precise redigir nada  em absoluto para viver. Vicia, destrói o pequeno dicionário que todos nem na  chamada "memória". E quando seu chefe vier perguntar o que diabos você quis  dizer com "pq eu axo q eh axim" naquele seu relatório anual de atividades,  coloque a culpa no clipe de papel do Word, que melecou seu texto todo.
  5 - SMS. Aliás, "mnde mtas msgs!!!!". Na busca pela economia  de centavos aqui e centavos ali, mande dezenas, milhares de SMS por mês. Abrevie  as palavras até o limite do intelingível, e sinta-se economizando. Afinal, se 50  horas de ligação por mês custariam seus 30 reais (incluindo impostos), posso  mandar umas 100 mensagens e transmitir o conceito de todas as conversas que  teria, e até mais! Ops, chegou a fatura. O QUE??? EU MANDEI 540 MENSAGENS??? OH  NÃO!!!!! Mais que uma descaracterização da língua (que como o sexo, enferruja se  não usar), o SMS (como o Instant Messaging, vide tópico 4) torna o contato  humano mais distante, frio e pontual. Tudo que o telegrama tentou ser e não  conseguiu! Já é lugar comum: amigos sentados na mesa do bar, todos de cabeça  baixa, teclando mensagens. Pessoas no cinema, de cabeça baixa, teclando e  perdendo todo o contexto do filme. Pessoas no trânsito, de cabeça baixa,  teclando e batendo o carro. No mínimo, a próxima geração vai sofrer de um baita  torcicolo... 
  Em tempo, SMS na Inglaterra virou verbo. Graças à riqueza gramatical de nossa  língua, espero que não aconteça o mesmo aqui. "I'll SMS it to you". E no mundo  todo, virou um entrave para a vida social (até mais do que o seu originador, o  famigerado celular). 
  6 - Use câmeras digitais. Aliás, use tudo digital.  "Analógico" é antiquado, velho, pesado, caro. Analógico tem que revelar.  Analógico não deixa eu apagar e fazer novamente. Analógico remete a passado. Não  se aplica somente a câmeras: pra que perder tempo vendo um filme no cinema (que  é digital, mas pelo menos o "ambiente" é "analógico" em algum sentido...), se  você pode baixar, verificar se as legendas estão alinhadas, gravar em um CD e...  arquivar? Afinal, essa é a grande sacada do digital: acumular informações e  contextos que nunca serão usadas. Vide a sua grande coleção de músicas mp3 nunca  ouvidas. Seus filmes nunca assistidos. Seus e-books nunca "abertos" (nem no  sentido digital da palavra). Suas fotos nunca reveladas ("impressas"). Toda a  cultura nunca assimilada.
  7 - Errou? control+z. Se a vida é um livro que se escreve  sem borracha, o computador veio para provar o contrário. Refaça tudo infinitas  vezes até chegar à perfeição (ou até enjoar e deixar como está). Errou? ctrl+z.  Errou? ctrl+z. Errou? ctrl+z. O problema é que o 'conceito' do control+z (quando  teremos um filósofo moderno escrevendo sobre isso???) parece se aplicar também  aos relacionamentos, empregos, bens de consumo (especialíssimamente em meu  caso!!!) e tudo mais. Pra que planejar, se você pode simplesmente tentar, e...  Ops! Não dá pra voltar atrás??? Não, não dá.
  8 - Jogue vídeo-games. Tá certo que estimula isso e aquilo  outro (e induz tiques nervosos e piscares de olhos compulsivos na maioria), mas  também ajuda a esquecer regras básicas de convivência. Você frequenta  auto-escola e dirige seu carrinho por anos a fio, até que vicia naquele certo  jogo de corrida de carro e... adeus, seta. Adeus, andar na faixa. Joga pela  janela todas as regras de trânsito que aprendeu com tanto zêlo. Desaprende,  porque errado é mais gostoso (e como quem joga passa mais tempo dirigindo no  joguinho do que na vida real, acaba assimilando mesmo sem querer). Quando vão  inventar o carro que liga a seta sozinho quando você pensa em fazer a  curva???
  9 - Seja um multilíngue. Trata-se de um adendo rápido ao  item 1: se você não fala chinês, coreano, dialeto basco, ou mesmo inglês (o  latim dos tempos modernos), não se apavore. Tem sempre uma ferramenta de idiomas  pronta para ajudar. Agora você pode colocar no currículo: fluente em inglês,  francês, espanhol (mi espanol es fueda!) e RUSSO, pra dar aquele diferencial.  Cuidado somente com as entrevistas...
  10 - Relaxe. Se tem algo que você ainda se esforça para  fazer, tenha certeza: alguém está bolando um meio de fazer por você. Se até seu  player de mp3 já "adivinha" quais são as suas músicas preferidas e seu site de  compras preferido indica "o que você deve ler a seguir", resta sentar em um sofá  confortável a aproveitar o melhor que a era da informação tem a oferecer. E pra  que serve esse negócio com gosto de cera de ouvido que você tem dentro da  cabeça? Bom... ainda estou tentando descobrir pra que serve o meu...
  Agora é torcer para não faltar energia...